Neide Nogueira fala sobre Educação Ambiental no Brasil

09-07-2011 14:04

 

Coordenadora de Temas Transversais dos PCNs avalia a Educação Ambiental nas escolas das redes estaduais

 

Edição 213 | 06/2008

As longas jornadas docentes encontradas nas redes estaduais na região amazônica atrapalham a Educação Ambiental escolar? 
Neide Nogueira >
 Atrapalham a Educação Ambiental, em particular, por ser um tema transversal. Mas um professor que leciona em jornadas excessivas não consegue desenvolver uma boa prática, seja qual for a atividade. Só agora os estados começaram a contratar em peso professores concursados, o que cria a possibilidade de continuidade do trabalho dentro da escola. Caso contrário, ele fica de um lado para o outro. Alguém que cumpre três turnos não consegue planejar, avaliar os alunos, estudar no tempo livre. E pior: em muitos casos, quando a secretaria cria espaços para formação, falta organização no uso desse tempo, que fica subaproveitado. 

Há projetos sólidos na área? 
Neide Nogueira >
 Com a feliz exceção do Acre, nas secretarias estaduais, não conheço nenhum trabalho com essas características: sistemático e permanente, que abranja toda a sua rede. Os estados têm ações, mas que não são políticas para toda a rede. Deixam a desejar. Uma Educação Ambiental de verdade mexe com a secretaria, com a direção, com tudo. Tem que pensar desde a manutenção das escolas até a questão dos currículos, e isso a gente não vê. No Acre, é preciso considerar que o tamanho reduzido do estado o coloca em condições diferentes dos demais. 

Qual a distorção mais comum na Educação Ambiental? 
Neide Nogueira  >
 O maior pecado de quem acha que está fazendo Educação Ambiental, e não está, é acreditar que apenas o estudo de textos e a circulação de informações é suficiente. Outro é fazer trabalhos pontuais, sem continuidade e sem permanência. Por exemplo, realizar uma série de ações somente na semana de Meio Ambiente, eventualmente numa data comemorativa, ou organizar um seminário desprovido de um processo contínuo de formação. Tudo isso ajuda, é melhor do que nada, mas não é suficiente. 

Tratar a Educação Ambiental apenas com projetos didáticos é um bom caminho? 
Neide Nogueira >
 Projeto é uma boa modalidade. O problema é que raramente os professores trabalham o projeto de forma integrada. Acaba ficando postiço. Você tem a aula planejada de uma forma e o projeto à parte. Acaba o projeto ambiental e não fica nada. 

Para você, como seria uma Educação Ambiental ideal? 
Neide Nogueira >
 Antes de tudo, é preciso diferenciar Educação Ambiental e ensino sobre Meio Ambiente. Os conteúdos em si, os conceitos de ecologia, a Geografia e as Ciências já trazem. Outra coisa é fazer um trabalho que tem a ver com mudança de valores, atitudes e práticas. E isso é muito mais difícil, é preciso pensar uma didática que favoreça isso. Não adianta só ler textos e ver filmes. Temos que incluir situações práticas com as quais os alunos se envolvam. Precisa pensar a escola como parte do ambiente, considerar o consumo dos recursos, o reaproveitamento, o desperdício, procurar funcionar de um jeito sustentável. E, para isso, tem que envolver também a gestão escolar. É um trabalho complexo. Ter um coordenador pedagógico faz toda a diferença. Tudo isso mexe com a estrutura da escola. 

Qual é o principal desafio conceitual da Educação Ambiental? 
Neide Nogueira >
 Ela propõe que os alunos adotem posturas e valores que são o contrário do que a maioria da sociedade faz e afirma. Por exemplo, ensina que é preciso reduzir o consumo, mas o que mais se vende na televisão é o consumo. A quantidade de consumo define o status social. Quando se quer que os alunos aprendam e adotem uma postura tão diferente do que está preestabelecido, a ação deve ser permanente. 

É preciso falar de natureza o dia todo, em todas as aulas? 
Neide Nogueira >
 A discussão sobre a temática não precisa estar presente o dia inteiro, não é uma pregação religiosa. Mas a postura que se quer estabelecer pode e deve ser trabalhada o tempo todo, como atuar em equipe, cooperar entre si. Um dos alicerces dos problemas ecológicos é a competição, a idéia de levar vantagem sobre tudo. Uma reflexão ética também é fundamental e pode estar sempre presente na escola. 

A Educação Ambiental deve estar em todas as disciplinas? 
Neide Nogueira >
 É preciso ter certo cuidado. As diferentes áreas e os diferentes conteúdos se relacionam de diferentes formas com o ambiental. Nem tudo é compatível. A articulação não é possível com todos os conteúdos de todas as áreas. Pode ficar forçado. Trabalhar em História as relações dos diferentes povos com o meio ambiente é legal, há uma relação mais direta. Já em Língua Portuguesa ou Matemática, a abordagem é outra. O tema meio ambiente forma um contexto de uso e significado para o conteúdo estudado, como na atividade de medir o desmatamento na região e comparar com o limite permitido. Na área de Ciências, os próprios conceitos já fazem parte do currículo. Importante é ter em mente que todos os professores podem trabalhar com o assunto de forma transversal, desde que haja um planejamento conjunto, orientação e uma avaliação que leve em conta algumas metas. O que acontece muito é apenas a escolha de um tema gerador, e cada professor vai usar isso por dois meses para ensinar sua disciplina. Só que ninguém agüenta, passa um bimestre e você já começa a desalinhar. Aí não faz sentido.

 

 

Fonte: https://revistaescola.abril.com.br/politicas-publicas/legislacao/fuja-projetos-posticos-426390.shtml